O primeiro post do 7 seria sobre um livro de fotojornalismo que eu recebi mês passado, mas decidi mudar o foco da conversa por causa de uma série de ocorrências preocupantes relacionadas com gerenciamento de matrizes analógicas que vi perpassarem a minha rotina nos últimos meses. A mais recente delas ocorreu quando um amigo procurou um estúdio profissional para escanear chromos e tratar as imagens para uma exposição que ocorreu no começo de janeiro.
Quando recebeu o material escaneado, ele notou que os chromos estavam com marcas de digitais, sujeira e metade deles ganharam arranhões que não existiam anteriormente. O fotógrafo, que sempre teve um cuidado enorme com as suas matrizes – usando luvas, pinças, molduras, estojos de acondicionamento, controle de umidade e o que mais manda o figurino de um alguém preocupado com o próprio acervo –, viu seu esforço ir abaixo em dois dias por descuido dos profissionais.
O que mais me inquietou neste episódio, além da falta de cuidado do estúdio, foi a reação das pessoas a quem eu contava a história. Para elas, os riscos deixados nos chromos eram pouco importantes porque poderiam ser corrigidos com um tratamento de Photoshop na imagem escaneada. Como assim, colegas?
O fato de podermos corrigir eventuais falhas na versão digital de uma fotografia em nenhum momento pode ser usado como justificativa para um descuido com a matriz que a originou (no caso analógico, negativos ou slides). E eu tenho escutado muito isso entre pessoas que se consideram informadas sobre fotografia. Se isso tem ocorrido entre quem, de alguma maneira, se envolve com leituras e discussões a respeito da área, imagine fora deste circuito?

Muitas vezes recebemos os arquivos escaneados e não vemos as condições de retorno dos negativos ou slides
A falta de cuidado com o manuseio dos originais em estúdios e lojas de fotografia é um grande exemplo. Hoje, se você pede atenção com os originais é considerado chato, exigente ou, em uma linguagem bem próxima, “cheio de frescura”, quando a cautela deveria ser o primeiro passo de qualquer serviço prestado para qualquer pessoa, seja ela leiga ou profissional.
O que tem ocorrido é o contrário: o cuidado é um item extra, um luxo que é dado ao cliente, se ele se dispuser a pagar um pouco mais por isso – ou, às vezes, bem mais. É a cereja do bolo, quando deveria ser um item obrigatório em todas as etapas de trabalho com uma fotografia. E isso não é utopia de quem deseja um modelo inalcançável de trabalho. É um pedido de reflexão de quem tem visto a perda de qualidade nos serviços ser aceita como quem troca voto por um pacote de café nas eleições. De graça.
A maioria dos estúdios é descuidada porque não forma mais profissionais para manusear direito tanto filmes quanto matrizes em papel (que, em geral, ficam jogadas) e nós estamos sendo “parceiros” deles porque não cobramos que a cautela seja pré-requisito. Aceitamos calados que o cuidado seja apresentado como aquele item adicional e restrito que transforma o preço de um escaneamento em alta resolução algo inacessível para a maioria das pessoas que trabalha com fotografia.
Quando o problema ocorreu, no começo de dezembro, o fotógrafo pesquisou pela internet, em algumas lojas localizadas no sul e sudeste, o custo de escaneamento de um filme de 36 poses em alta resolução (as fotos ficavam no tamanho 60×90 centímetros com 300dpi). O escaneamento de cada fotograma (cada pose do filme) custava em média 240 reais. Um filme inteiro de 36 poses seria produzido pelo custo de 8.640 reais – sem incluir a viagem ou do translado do acervo.
Se existem escaneamentos feitos em outros lugares do país nesta mesma resolução, tamanho e máquinas similares por um preço bem mais acessível, este custo a mais é o quê? O preço que se paga pelo manuseio adequado das matrizes. O cuidado que vai do processo de recebimento do material até a entrega dele ao seu responsável. E este item, volto a dizer, deveria ser uma regra das casas e estúdios de fotografia e não a exceção que encarece o serviço.
Eu sei que existem uma série de detalhes envolvidos: o tempo que as máquinas gastam para escanear um fotograma, o custo de formação dos profissionais, procedimentos e tudo mais. Porém, quando a gente pesa o custo/benefício do serviço, talvez esteja valendo mais a pena para um fotógrafo que ainda trabalha com filmes – e tem muitos outros no acervo – investir na própria formação em digitalização, tratamento de imagens e na compra de um equipamento que faça o serviço com qualidade do que enviar o próprio acervo para outra grande capital do país.
O pessoal da Fundação Joaquim Nabuco uma vez me mostrou como eles fazem com os acervos deles e é relativamente simples (e, pelo que me disseram, não é algo novo, mas um conhecimento que a gente vem perdendo pelo desuso). É possível comprar (ou até fazer) uma caixa de luz (lightbox), que vem com um braço para anexar o negativo ou slide e outro para posicionar a câmera. Então, se usa um cabo para sincronizar a câmera com o flash da caixa de luz. O arquivo digital produzido é um raw do tamanho do sensor da máquina. Eles indicam o uso de uma fullframe.
Enquanto eu terminava este texto, no comecinho de janeiro, um outro modelo foi mostrado em uma entrevista que a equipe do Olhavê fez com Mirasol Estrada, da George Eastman House. A conversa é muito inspiradora e eu indico a leitura porque toda essa discussão é um incentivo para a gente pesquisar formas de preservar nossos acervos e produzir versões digitais sem inviabilizar economicamente os trabalhos que estamos realizando.
Se o ideal para o fotógrafo for produzir o seu próprio equipamento, que ele possa correr atrás e fazer. Se for buscar uma loja de fotografia ou estúdio, que possamos contar com opções com um bom custo/benefício. O essencial nisso tudo, porém, é investir na formação de ambos os lados, de quem fotografa e de quem presta serviços. Então, eu proponho o seguinte: vamos pensar em ações tanto para o nosso cotidiano quanto para as oficinas, cursos, festivais, semanas e escolas de fotografia que estão sendo realizadas mundo afora?
Também deixo a sugestão ampliarmos o debate fazendo com que referências de textos ou mesmo uma conversa sobre este assunto possa circular para fotógrafos e não-fotógrafos, estabelecimentos comerciais, pesquisadores ou outros setores relacionados com fotografia no país. Nem que seja para cutucar um debate. É uma responsabilidade nossa, eu acho.
E se é para incentivar, faço logo aqui uma proposição: a Funarte promoveu em Recife um curso sobre manuseio de acervos. Eu quis fazer o curso, mas era exclusivo para instituições. Como disse acima, acho bacana investir na formação de profissionais, mas também acho que precisamos ter um investimento de ações semelhantes para um público mais amplo. Será que não podemos ter um curso semelhante para quem não trabalha em instituições?
Mais que emergente essa sua preocupação quanto a conservação de peliculas, Ana. Bacana seu texto.
Fiquei muuuito curioso para saber mais sobre este procedimento de “escanear” negatico com a própria câmera que vc diz ter visto na Fundaj. Como é isso mesmo?!
Oi Damião!
É o seguinte: é possível comprar uma lightbox – que já venha com o espaço para posicionar o negativo, a câmera e tenha uma luz que vai ser acionada no momento do clique – ou você pode construir a sua própria lightbox. Estou buscando modelos, marcas ou tutoriais de como construir essa ferramenta preciosa e assim que tiver dicas mais organizadas em mãos eu divido aqui no blog. Tudo bem?
Ana, lindo projeto! Espero que o “7” se torne referência de diálogo entre os fotógrafos e renda muitos frutos. Precisamos muito desses espaços de discussões abertos!
Quanto aos negativos escaneados, aqui em Porto Alegre o problema é semelhante. Pessoas pouco capacitadas (quando há quem faça o serviço) e não raramente meros funcionários sem qualquer vínculo com a fotografia…
Ana,
Bastante pertinente o seu texto, mas talvez tenhamos ai uma questão de ponto de referência, o que se paga a mais não é o luxo de se ter cuidado, talvez, o que pagamos de menos é o desconto dado pelo descuído.
Abraços e sucesso pelo blog
Domingos
Eu pensei a respeito disso, mas não acho que o preço baixo é pelo descuido – porque o descuido está quase generalizado, mas os preços baixos nem tanto. De qualquer forma é um bom ponto de vista, embora eu ache que cobrar 5x mais pelo cuidado é muito (comparando os preços médios (40,00) e os mais caros (240,00) que encontramos). Ao invés de ser um incentivo para os fotógrafos digitalizarem seus acervos, acaba sendo um desestímulo, porque a gente sabe o quanto a maioria dos fotógrafos ganha e sabe que o valor não é acessível.
Acho que isso vale uma boa pergunta pro Diogo Ramos, do Fotografia DG:
Como proceder no caso de danos em matrizes por parte de laboratórios?
Olá pessoal!
Agradeço ao Alexandre por me indicar o site (não apenas por este artigo, mas pelo todo, gostei muito) e me chamar para este debate.
Em geral, todas essas empresas prestadoras de serviço possuem um regimento, ou então um contrato de adesão (aquele que nós clicamos em “Concordo” sem antes efetivamete ler) e quem, em tese, deve possuir uma cláusula que verse a respeito de ressarcimento para danos ocasionados por transporte ou manuseio. Levando em consideração o valor do serviço prestado e a extrema importância que possuem as matizes, a melhor recomendação é que se estabeleçam dois contratos expressos: um com a prestadora do serviço de digitalização e outro com a empresa de transporte. Neste quesito as empresas de transporte são mais organizadas e normalmente possuem os tais contratos de adesão e também possuem seguro de carga durante o transporte. No caso da prestadora o caso é mais delicado. Por este motivo, é imperioso que se exija um contrato estabelecendo a responsabilidade sobre a integridade das matrizes, que na minha humilde opinião são revestidas de caráter de uma obra de arte. No caso de danos não há outro recurso senão impetrar um pedido de reparação de danos materiais (e morais, no meu entendimento). Abraços!!
Caro Diogo,
Eu acho a sua intervenção de extrema importância para este debate. Agradecemos bastante a sua contribuição. O compromisso “de boca”, pelo telefone ou ao vivo, ainda acaba sendo o mais efetivado nestes casos.
Precisamos mesmo refletir sobre os nossos deveres e direitos, entender como proceder em casos de danos, e, principalmente, se preparar para evitar o máximo possível que isso ocorra.
Contribuições como as suas são fundamentais para ajudar tanto a nós quanto os leitores do site a ter uma visão mais ampla do assunto.
Agradeço muito!
Ana
Diogo, seja sempre bem-vindo ao nosso blog. As contribuições de vocês é que fazem as nossas conversas renderem. Ficamos ainda mais empolgadas quando vemos essas participações. Fiquei pensando bastante sobre essa coisa do contrato de adesão – “aquele que nós clicamos em “Concordo” sem antes efetivamete ler” – acho que o descuido já começa aí mesmo. Realmente, hoje mais do que nunca, um contrato é fundamental, mesmo que depois ele só sirva pra remediar.
É bacana quando os nossos pensamentos se conectam com o de outras pessoas: http://www.framedlife.com.br/2011/02/04/navegantes-2007/
Essa onda de que o photoshop salva tudo, é uma sacanagem com essência da fotografia.
Guardar, isso mesmo, guardar o momento, o instante “mágico” não seria a base de tudo o que fazemos com uma camera na mão? E como podemos nos render a um mecanismo moderno como salvador da pátria? É muito triste quando se perde uma imagem e pior quando os outros perdem nossa imagem.
E viva a fotografia moderna!!!
Ah! Parabéns a mais um espaço inteligente de conhecimento e discussão do nosso ofício. Valeu meninas!!!
Gente, antes de tudo, obrigada pela participação no nosso blog. Ele é de todos nós. O mais interessante do que acontece no Sete é que somos pessoas diferentes, com idéias diferentes.
Eu concordo com Aninha que o fato de existir o Photoshop não serve de justificativa para o descaso no manuseio das matrizes analógicas. É um absurdo e devemos, sim, brigar contra isso. Porém, acho que o programa serve como uma solução: já que arranhou, devemos, sim, agradecer por existirem programas digitais que suavizam nosso prejuízo.
Discordo de Edmar quando tentamos trazer uma idéia de “essência da fotografia”. A fotografia é viva e acho complicado tentarmos definir a essência de algo tão fluido. O tal “instante mágico” continua registrado, seja numa película, seja nas informações eletrônicas geradas após a estimulação de um sensor. Não é a matriz analógica que a faz ser uma coisa maravilhosa. Na verdade mesmo, o que eu penso é que, em termos de memória e conservação, a gente deveria era amar o digital.
Conservar um cromo ou um negativo é bonito, é legal, tem sua magia e deve ser valorizado. Porém, a matéria é fraca: queima, suja, arranha, rasga, molha, pega fungo. Por mais que cuidemos da matéria, ela continua matéria e se degrada. A vida longa para a fotografia começa com a digitalização. Se, por um lado, ainda temos uma cultura mal acostumada com arquivos digitais, que acabam se perdendo em HDs mal organizados, em falta de backups e em formatos obsoletos, por outro, o digital em seu potencial informático é perfeito para que as coisas durem para sempre.
Afinal de contas, a imagem digital (seja capturada digitalmente ou digitalizada a posteriori) é pura informação. Informação intacta, pronta para ser lida a qualquer momento. Sem arranhões, sem manchas de digitais e sem fungos. Apenas pixels simulados por programas capazes de transformar “magicamente” alguns algoritmos em uma imagem – aquela mesma imagem que capturamos um dia, como fotógrafos. Os códigos se mantêm, como informação que são. O papel se acaba. A película se acaba. C’est La vie…
Ps – Lembrando que os HDs, pen drives, CDs e DVDs também se acabam, como matéria que também são. Ah! E servidores podem sair do ar. Ou seja, tratemos que guardar nossas informações preciosas (leia-se fotografias) em mais de um suporte. Concluindo: vamos começar a valorizar de verdade essa história de backup, na mesma proporção com que devemos valorizar essa história de digitalização…
Queria deixar umas palavrinhas aqui sobre algo específico do texto: os valores cobrados para escanear algo em alta resolução.
Já trabalhei em um bureau de pré-impressão, daqueles que faziam muito trabalho pra agências de publicidade, inclusive escanear cromos. Tinhamos um scaner incrível, Tango, cilíndrico (era quase da minha altura verticalmente, uma máquina gigantesca), a melhor coisa pra escanear cromos (acho que até hoje).
Só que, por ter trabalhado lá e aprendido como se escaneia em um escaner cilíndrico, o fato que me deixa besta quando alguém diz que para escanear um cromo para dar saída em 15x10cm é 5 reais (chutando, tá, pra efeito comparativo, como já escaneei por aqui) e para dar saída em 90×60 é 240 reais, é a questão de que NÃO HÁ DIFERENÇA ENTRE AS DUAS FORMAS DE ESCANEAR ESSE CROMO NOS DOIS FORMATOS. É simplesmente escolher lá no programa: 300 dpi ou 2400 dpi. Não há know-how que banque esse valor. Não há! E nunca vi aqui em SP gente falando que cobra mais por ter cuidado com o negativo e sim porque era EM ALTA RESOLUÇÃO (e olha que não era nem um scaner cilíndrico). Como assim??? Você muda isso no apertar de um botão. Óbvio que há um know-how, um treinamento de como escanear bem, manusear o scnar, etc, mas isso também está sendo aplicado exatamente da mesma forma ao se escanear para o formato de 15x10cm. O tempo de espera do escaneamento (o custo hora x máquina que eles adoram falar) também não é lá muito maior, não justifica o aumento absurdo de preço. O que está errado? O preço do escaneamento pra 15×10? Óbvio que não…
Falo aqui ou na lata do cidadão, pra qualquer empresa ou escaneador que cobre 240 reais (já vi aqui em SP por mais de 350 reais) para escanear um cromo para dar saída em formato maior, que isso é de uma safadeza (ou esperteza, essa cultura tão brasileira, hehe) tão grande que simplesmente não dá pra engolir…
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Parabéns pelo blog, meninas! Está demais!!! E muito obrigado pelo espaço no Flickrweek!!! 🙂
Bjos!