Veio um bocado de coisa na minha cabeça quando comecei a pensar no que escrever para este post do 7. Fiquei em dúvida, mas decidi seguir a tendência e começar de algum começo, neste caso, um começo mais meu.
Aninha e Joana levantaram a questão da memória relacionada aos suportes fotográficos e isso também está relacionado ao começo da minha pesquisa em fotografia digital. Resolvi, então, disponibilizar minha monografia de conclusão de curso aqui para download (apesar de nem gostar mais taaaanto assim dela), pois foi uma pesquisa legal que fiz ao longo de um ano inteiro no grupo de pesquisa “Fotografia e Memória”, coordenado por Nina Velasco no Departamento de Comunicação da UFPE. Para quem não tem muita coragem de lê-la (pois é bem grandinha), segue o link para o artigo mais resumido que apresentei no Intercom de 2009.
Enfim, no texto eu parto da idéia de que a fotografia digital integra a existência de novas práticas sociais, associadas à disseminação fotográfica e às possibilidades do digital, principalmente no que diz respeito ao armazenamento e ao compartilhamento de imagens. Assim, os usos social e estético das imagens e sua relação com a memória são alterados.
Na época da pesquisa, analisei os álbuns digitais (software) e virtuais (site) do Picasa. O programa agrega tanto tratamento, edição e catalogação de imagens quanto espaço para armazenamento e compartilhamento (álbuns da web). A partir desse programa, eu estabeleci algumas relações entre “fotografia, memória e imagem digital”, identificando as soluções existentes para a questão da memória na fotografia digital.
Não vou falar aqui no blog sobre o Picasa e nem sobre a análise propriamente dita, mas apenas levantar os principais pontos que nortearam minha discussão. Na época, me angustiou perceber que a expansão progressiva da “memória” digital, que poderia se tornar o registro total de uma vida, de uma sociedade, de uma época, ameaça gerar conseqüências que parecem levar ao extremo oposto: o esquecimento.
Selecionar parece uma prática em decadência na era digital e, sem ela, se torna difícil construir uma documentação organizada e útil dos arquivos. Assim, as pessoas se preocupam ainda menos com a questão da memória, substituindo-a pela idéia simples de arquivamento. Então, percebo que existe um conjunto de dados virtuais desorganizado em computadores, celulares, sites, enfim, em frágeis suportes que podem transformar a maneira como a fotografia ajuda a construir uma memória documentada.
Se por um lado, armazenamos tudo, por outro, não criamos os percursos de acesso a nossos arquivos, provocando o risco de um verdadeiro “esquecimento”. Precisamos perceber que hoje tratamos das nossas fotografias como se fossem estoques, enquanto, na verdade, elas são “bancos de dados” que devem estar acessíveis.
Assim, à grande massa de informações digitais que cresce constantemente, surge a demanda urgente de organizá-la, de criar interfaces que permitam encontrar e catalogar esses dados, de estruturar uma memória para essa enorme quantidade de dados cibernéticos desestruturados. É preciso instalar uma cultura de “indexação” das fotos no próprio computador.
As possibilidades da fotografia digital são, em potencial, a base para uma memória perfeita, que não se destrói e nem se corrompe com o tempo. A fotografia se torna possível de ser vista enquanto houver programa que consiga ler aquele código e interpretá-lo visualmente como uma imagem. Perder um arquivo digital não é tão incontrolável quanto perder um álbum de fotos por conta de cupins, mas, se fizermos direitinho, ele durará para sempre.
Porém, a tal imagem digital, que poderia ser o grande achado para a conservação sem fim, na nossa sociedade tem se distanciado da construção real de uma memória eficiente na prática que adotamos. Essa cultura vai além da natureza digital, pois faz parte do espírito de uma era. A idéia de organizar as fotografias hoje tem muito mais a ver com a construção de um banco de dados útil e disponível para processamento que com a simples conservação de uma fotografia.
Assim, não proponho o retorno à materialidade, que é tão mais frágil, mas o uso eficiente de uma cultura verdadeiramente digital. É preciso resolver o problema da massa cibernética desorganizada inserindo novos hábitos de catalogação digital, bastante diferentes dos antigos álbuns de família, pois são arquivos imateriais distribuídos constantemente e de forma imediata a lugares simultâneos.
Sem a cultura de catalogação, provavelmente se descarregariam os arquivos em uma pasta do disco rígido e ali eles ficariam armazenados por tempo indeterminado, até que se perdessem por alguma falha no computador (fragilidade do suporte material) ou pela obsolescência do formato do arquivo, ou até que o usuário decidisse ter paciência para catar e rever as inúmeras fotos que tirou em vários momentos ao longo da vida. Igualzinho aos álbuns mofados esquecidos em gavetas.
Eu não vou defender aqui que o digital, com seu potencial incrível de duração, armazenamento e conservação, seja uma coisa instalada no paraíso em oposição à fragilidade do material. Pelo contrário: toda informação só existe associada a um suporte. Só pensamos através de sinapses nervosas, só escrevemos se temos caneta e papel, só há arquivo digital se tivermos um suporte material (HD, CD, cartão de memória, etc). E esses suportes continuam frágeis e vulneráveis.
Porém, no analógico, o suporte se confundia com a fotografia em si. A foto era aquilo, aquele papel, aquele negativo. No digital não. A fotografia existe como um virtual que pode se atualizar em diversos suportes de maneira eficiente, simultânea e sem perder nada com isso. É uma informação fluida. Devemos tirar vantagem dessas possibilidades. Devemos cuidar dos suportes que armazenam nossos arquivos digitais assim como cuidamos com todo carinho dos nossos negativos e cromos. E ainda temos a vantagem de ocuparem um espaço bem menor! (meus álbuns de família ocupam um armário inteiro, enquanto meu acervo digital cabe em um HD externo portátil). Digitalização, sim. E backup, backup, backup. Princípio básico.
Mas backup não é memória. Memória é a navegação que podemos realizar nesses arquivos armazenados. Memória são os links, as relações. Memória é o banco de dados e não o acúmulo. É preciso criar um hábito de organizar as fotografias através das ferramentas de catalogação e prepará-las para serem distribuídas, facilmente encontradas, integrarem um banco de imagens e, enfim, poderem ser lembradas.
Quando lidamos com fotografias digitais, devemos acabar com a lógica do “álbum de família” e nos inserirmos na lógica do “banco de informações” disponíveis, catalogadas e, assim, úteis, ou seja: NAVEGÁVEIS. Essa é a grande questão da memória no digital. Então, pessoal, backup é o básico e fundamental para a conservação das fotografias digitais, mas, sozinho, não garante a memória. É preciso conservar, indexar e catalogar. Que vivam as tags e o file info!
Muito bom Bella. E todo mundo só aprende a organizar os arquivos digitais após passar por um perrengue. Achei que tinha perdido um dvd com umas fotos importantíssimas de uma viagem (na qual tenho pouquíssimas fotos impressas) e após achar o bendito cujo fiz mais 2 cópias, e ele ainda está armazenado no meu computador e em um HD externo. Como ouvi uma vez de Thales Trigo, essa geração está fadada a não ter memória. Que possamos aprender a não passar por mais “aperreios” dessa era digital.
Thales é meu grande mestre nas profundezas do mundo digital. Ele foi meu professor particular lá em Sampa, me ajudando com informações para a minha dissertação do mestrado… Temos que ouvir essa galera! Mas eu também num sou muito apocalíptica não! Vale o exagero na hora de alertar, mas acredito que vivemos uma fase de transição… cedo ou tarde, por dedicação ou na marra mesmo, a gente aprende direitinho a viver nessa era informática decentemente! 😉
E viva as marcações geográficas também! =D
Não sei nem o que comentar, tão bem escrito este post… li sem dor nenhuma, e olha que nem sou muito de ler textos assim na internet sem ficar pulando parágrafos quase inteiros direto.
Pelo visto vale uma espiada nas fontes mais extensas desse pensamento tão coerente. Vou procurar ler o artigo e, quando puder, a tese!
Obrigada, Alexandre! Mas nem é tese, é só uma monografia de conclusão de curso! hahahaha… Um dia ainda escrevo uma tese, viu? =)
Rosely Nakagawa disse em uma palestra aqui em Recife que uma foto que fica guardada e ninguém vê é uma foto que não existe. Acho que essa é uma reflexão importante.